Lucas Mathias
Veja
Pareceu obra de ficção de um roteirista de cinema afeito a viradas inverossímeis, mas foi assim que aconteceu, e poucas vezes na história política de qualquer país houve ascensão e queda tão espetacular quanto a da Lava-Jato.
Deflagrada em março de 2014, no governo da presidente Dilma Rousseff, a operação desbaratou um vergonhoso escândalo de corrupção, envolvendo o desvio de 40 bilhões de reais, resultado de contratos espúrios celebrados entre mais de trinta empresas e o poder público, conforme atestaram os próprios líderes do esquema, em confissões homologadas pela Justiça.
ERROS E EXAGEROS – O fato incontestável, porém, não impediu que os procuradores do Ministério Público Federal e o ex-juiz da 13ª Vara Criminal de Curitiba Sergio Moro, responsável pelas condenações, cometessem erros e exageros, desrespeitando o estado democrático de direito.
A guinada ocorreu depois que o hacker Walter Delgatti invadiu os celulares das autoridades e capturou conversas tenebrosas. Os diálogos, revelados pelo site The Intercept e aos quais VEJA teve acesso, evidenciaram passos ao arrepio da lei nos processos em curso.
Na quarta-feira 6, a Lava-Jato sofreu um outro imenso revés. O ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli tomou uma decisão com potencial para enterrar de vez a operação que pôs na cadeia gente grande.
DEFESA DE LULA – O magistrado acatou uma reclamação da defesa de Lula. A alegação: uma decisão do STF vinha sendo ignorada pelas instâncias inferiores, ao não permitir acesso dos advogados ao conteúdo completo do acordo de leniência fechado pela construtora Odebrecht e de uma ação penal em que o presidente é acusado de receber vantagens indevidas da empresa.
O ministro então anulou as provas obtidas por meio do próprio acordo de leniência e dos programas de computador nos quais a empreiteira fazia contabilidade das propinas. Toffoli determinou ainda que seja investigado o possível envolvimento de agentes públicos no desrespeito à legislação, nas esferas cível, administrativa e criminal.
Prontamente, a Advocacia-Geral da União (AGU) da gestão petista decidiu criar uma força-tarefa para apurar os fatos. O ministro Justiça, Flávio Dino, anunciou que a Polícia Federal entrará nas investigações. E, de chofre, classificou a Lava-Jato como uma “página trevosa de nossa história”.
INTERESSES DE LULA – O despacho de Toffoli está ancorado em critérios técnicos, e uma decisão do STF não poderia mesmo desmanchar como castelo de areia, mas é inescapável a sensação de que o movimento atende a interesses de Lula, que passou 580 dias preso, depois da condenação de Moro, em abril de 2018.
O tom do ministro, que lá atrás foi fervoroso defensor da Lava-Jato (e quase foi atingido por ela), mal disfarça contaminação política, pela prosa inadequada e pelo teor mercurial de sua argumentação.
Em um texto longo, de 135 páginas, Toffoli disse se tratar de “um dos maiores erros judiciários da história do país”. E prosseguiu, carregando nas tintas: “Digo sem medo de errar, foi o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciava em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF”.
PAU DE ARARA – Ao fim, ao misturar alhos com bugalhos, e com sério risco de ofender os que foram torturados durante a ditadura militar, gritou em maiúsculas para definir a atuação dos procuradores: “uma verdadeira tortura psicológica, UM PAU DE ARARA DO SÉCULO XXI, para obter ‘provas’ contra inocentes”.
Pelo éter das redes sociais, Sergio Moro, hoje senador pelo União Brasil do Paraná, reagiu imediatamente:
“A corrupção nos governos do PT foi real, criminosos confessaram e mais de 6 bilhões de reais foram recuperados para a Petrobras. Esse foi o trabalho da Lava-Jato, dentro da lei, com as decisões confirmadas durante anos pelos Tribunais Superiores”.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O artigo de Luca Mathias é excelente e equilibrado. Ao final, recomenda de devemos aguardar o próximo movimento, destinado a anular as multas aplicadas às empreiteiras corruptas. E dá vontade de perguntar, aos berros: Que país é esse? (C.N.)
Alguns membros do STF como Gilmar Mendes apoiavam a Lava Jato e tem vídeos públicos que demostram isso. Aliás isso é até um erro pois um juiz condena a ação antes mesmo do julgamento.
O problema da Lava Jato não foram as mensagens da operação spoofing que não tem como saber se existe texto foi inventado para culpar alguém ou não. O problema foi que a Lava Jato mergulhou fundo no esquema de corrupção de várias instituições públicas. Obrigou Gilmar Mendes a exercer seus dotes de malabarismo para livrar o PSDB e começou a investigar escritórios de advocacia de famosos (incluindo de advogados do Lula e Bolsonaro). A esposa do Gilmar e do Toffoli repassando dinheiro para seus maridos, filho de juízes do STJ, membros do STJ, empresários como os irmãos Batista da JBS, Odebrecht etc …. Marcelo Bretas que o diga … o coitado teve que recomeçar a vida com outra profissão depois que a Lava Jato do Rio começou a levantar as provas de corrupção do setor jurídico.
40 bilhões de reais não chega nem perto do que foi roubado, vários fundos de pensão de estatais, a Petrobras que quase quebrou, só de multa da Lava Jato são quase 20 bilhões que as empresas envolvidas precisam devolver… A soma chega a algumas centenas de bilhões, 40 bilhões o governo gasta todo ano só com orçamento secreto
Creio que haverá um quiprocó dos infernos pra Fazer valer toda a extenção da decisão.
Interessante esta notícia do jornal peruano.
https://www.poder360.com.br/poder-flash/jornal-peruano-chama-toffoli-de-juiz-socialista/
O que está parecendo é que se busca derrubar um elefante com um bodoque.
A Lava Jato foi um fenômeno rizomático de corrupção graúda que envolveu vários países.
A propósito, o Peru tem agido com a devida firmeza, o que nos envergonha (não a todos, claro).
Excerto do texto abaixo:
https://crusoe.com.br/diario/como-a-lava-jato-baguncou-o-coreto-da-politica-peruana/