Histórias do cacique ACM que deixaram de ser contadas

ACM chegou à Assembleia e virou “líder da oposição” de mentirinha

Sebastião Nery

Em 1952, Antônio Carlos Magalhães, médico sem medicina, funcionário sem função da Assembleia Legislativa da Bahia (“redator de debates”) e repórter político do jornal “O Estado da Bahia” na Assembleia, ficou furioso com um discurso do líder do PSD criticando o ex-interventor e líder da UDN no Estado, Juracy Magalhães, e gritou:

– Cala a boca, idiota!

Perdeu o emprego e ganhou a proteção de Juracy, amigo de seu pai, o médico e ex-deputado Francisco Magalhães, e de seu padrinho, o reitor da Universidade Federal Edgard Santos. Em 1954, Juracy o pôs na chapa para deputado estadual. Não se elegeu, ficou como primeiro suplente.

ELEIÇÃO SUPLEMENTAR – Mas naquele tempo havia “eleição suplementar” sempre que, por algum motivo, não se realizava em algum município. Antonio Balbino, o governador eleito pelo PTB, com a UDN e uma dissidência do PSD, forçou a barra e garantiu a eleição de Antonio Carlos na “eleição suplementar”.

Antonio Carlos chegou à Assembleia e virou “líder da oposição” de mentirinha ao governo de Balbino. O líder do governo era Waldir Pires, do PTB-PSD. Em 1958, Antonio Carlos e Waldir se elegeram deputados federais. Antonio Carlos pela UDN, Waldir pelo PSD. Waldir eleito por Balbino. Antonio Carlos por Juracy e por Balbino, a quem sempre chamou de “patrão”.

LACERDA COBROU – Na Câmara, embora da bancada da UDN, liderada por Carlos Lacerda, que agressivamente combatia Juscelino, logo Antonio Carlos se tornou amigo de infância de JK, com direito a poderes federais na Bahia. Lacerda cobrou:

– Soube que você esteve ontem em segredo com o Juscelino.

– Estive com ele, sim, às 11 horas. E o Magalhães Pinto esteve às 7:30.

Em 1961, na Câmara, o deputado Tenório Cavalcanti, seu colega da UDN do Rio, atacava o ex-ministro da Educação de Dutra e ministro da Fazenda de Jânio, o baiano Clemente Mariani, dono do Banco da Bahia. ACM o aparteou: “V. Excia pode dizer o que quiser, mas na verdade o que V. Excia é mesmo é um protetor do jogo e do lenocínio, porque é um ladrão.

“VAI MORRER AGORA” – Tenório sacou um revolver:

– Vai morrer agora mesmo!

– Atira!

Nem Tenório atirou nem Antonio Carlos morreu.

Dez anos depois, em 1972, Antonio Carlos, governador nomeado da Bahia, soube que o banqueiro Clemente Mariani, pressionado por Delfim Neto, ia vender o Banco da Bahia ao Bradesco. Chamou Mariani ao palácio:

– Doutor Mariani, isso é ruim para a Bahia. Se o senhor quer vender o banco, o Estado compra pelo preço que o senhor vai vender.

– Não, Antonio Carlos. Não vou vender. Você acha que eu teria condições de vender o Banco da Bahia e me enterrar na Bahia?

VINGANÇA DE ACM – No dia 2 de julho de 1973, Antonio Carlos voltava da parada da Independência da Bahia, o advogado Prisco Paraíso lhe telefonou do Rio comunicando que o Banco da Bahia tinha sido vendido ao Bradesco. O governador chegou ao palácio, fez um decreto desapropriando a casa de Clemente Mariani e transformando-a numa escola para excepcionais.

Não era uma casa qualquer. Era um belo latifúndio urbano, no alto do morro da Barra, por cima da praia da Barra. O mundo quase veio abaixo. Mariani era o dono da Bahia. Recorreu à justiça, que manteve a desapropriação, “por interesse e utilidade publica”.

NÃO COMETA O ERRO – Em 1967, presidente estadual da Arena, Antonio Carlos foi nomeado prefeito de Salvador. Eu cassado, encontrei-o no hotel Califórnia, no Rio:

– Antonio Carlos, você é jovem (40 anos), não cometa o erro de Juracy, que quis fazer da Bahia uma Capitania Hereditária e não fez nem o sucessor.

– Pois vou fazer mais do que ele fez. Juracy mandou 30 anos na Bahia, de 1932 a 1962. Vou mandar 40 anos. (Mandou de 1967 a 2007).

Murilo Melo Filho conta como Juscelino conseguiu o primeiro milagre de Brasília

JK e  Bloch, um de seus melhores e mais fiéis amigos

Sebastião Nery

Três dias antes de morrer, Juscelino viera de sua fazendinha em Luziânia e pernoitaria no apartamento do primo Carlos Murilo, em Brasília. Estava triste e deprimido por tantas injustiças e perseguições, e fez a esse seu primo e meu xará a seguinte confissão que, autorizado por ele, agora, pela primeira vez, vou revelar:

– Meu tempo aqui na terra está acabando. Tenho o quê? Mais dois, três ou cinco anos? O que eu mais quero agora é morrer. Não tenho mais idade para esperar. Meu único desejo era ver o Brasil retornar à normalidade democrática. Mas isso vai demorar muito e eu quero ir embora.

JK ESTAVA SEM DINHEIRO – Estava sem dinheiro e tomou 10 mil cruzeiros emprestados. Tendo Ulysses Guimarães e Franco Montoro como companheiros de voo, viajou para São Paulo e desceu em Guarulhos, porque o aeroporto de Congonhas estava fechado. Ficou hospedado na Casa da Manchete, em São Paulo.

No dia seguinte, JK despediu-se de Adolfo Bloch, que depois revelava:

– Ele deu-me um abraço tão forte e tão prolongado que parecia estar adivinhando ser aquele o nosso último encontro. E chegou a mostrar-me o bilhete da Vasp, como prova da sua viagem, naquela noitinha, para Brasília.

E morreu dormindo. Mas, desde a véspera, havia telefonado para seu fiel motorista, Geraldo Ribeiro, pedindo-lhe que fosse a São Paulo buscá-lo de carro, e marcando um encontro no posto de gasolina, quilômetro 2 da Dutra.

PERGUNTA-SE HOJE – Por que Juscelino estava despistando e escondendo a sua real intenção de não ir para Brasília e sim de retornar ao Rio? Não queria que a dona Sarah soubesse? Seria algum encontro amoroso? E era.

Esta é uma das muitas, numerosas histórias contadas pelo veterano jornalista e acadêmico Murilo Melo Filho (nasceu em Natal, com a revolução de 30), com mais de meio século de redações, em seu livro, “Tempo Diferente”, primorosa edição da Topbooks, sobre 20 personalidades da política, da literatura e do jornalismo brasileiro:

– Aqui estão contadas histórias reais e verazes, acontecidas com tantos homens importantes no universo literário e político do país, que viveram num tempo diferente: Getúlio, JK, Jânio, Café Filho, Lacerda, Chateaubriand, Tristão de Athayde, Augusto Frederico Schmidt, Carlos Drummond de Andrade, Celso Furtado, Evandro Lins, Austregésilo de Athayde, Guimarães Rosa, Jorge Amado, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Raimundo Faoro, Roberto Marinho, Carlos Castello Branco, Otto Lara Rezende.

NA TRIBUNA DA IMPRENSA – Conta Murilo Melo Filho: – Eu era então (em 1956) chefe da seção política da Tribuna da Imprensa, jornal de oposição, dirigido por Carlos Lacerda, que movia feroz campanha contra JK. Apesar disso, ele sempre me distinguiu com especial atenção e, na sua segunda viagem a Brasília, me convidou para acompanhá-lo.

Saímos do Rio num Convair da Aerovias-Brasil e aterrissamos numa pista improvisada, perto do Catetinho. Às quatro horas da madrugada do dia 2 de outubro, ainda noite escura, JK já estava de paletó esporte, camisa de gola rolê, chapéu de aba larga, botinas e um rebenque, batendo à porta de nossos quartos, e convidando-nos para irmos com ele visitar as futuras obras. Brasília era um imenso descampado:

– Aqui será o Senado, ao lado da Câmara, mais adiante os Ministérios. No outro lado, o Supremo e o Palácio do Planalto, onde irei despachar.

Naquela nossa primeira noite em Brasília, após um dia de calor escaldante, os engenheiros estavam na varanda do Catetinho, em torno de uma garrafa de uísque, que era bebido ao natural, isto é, quente, porque em Brasília não havia ainda energia elétrica e, portanto, não havia gelo, que era artigo de luxo. Juscelino, presente, comentou:

– Vocês sabem que eu não gosto de uísque. Mas que uma pedrinha de gelo, nos copos, seria muito bom, seria.

Nem bem ele acabou de pronunciar essas palavras, o céu se enfarruscou e uma chuva de granizo despencou sobre aquele Planalto, levando os boêmios candangos a aparar as pedras, jogar nos copos e tomar uísque com gelo.

Era o primeiro milagre de Brasília.

BILHETE DE ADOLPHO – E este bilhete de Adolpho Bloch a Murilo Melo Filho, que ia ser o primeiro diretor da sucursal da “Manchete” em Brasília:

– “Murilo, aí vai esta lancha para você fazer relações públicas no lago de Brasília. Não faz economia em relações públicas. Nós, os judeus, perdemos o Cristo por falta de relações públicas. E fizemos um mau negócio, porque um homem como aquele não se perde”.