Fracasso em controlar agenda do Congresso explica muitas dificuldades do governo Lula

Pedido de socorro e ratos no Congresso nas charges dos jornais de quinta -  Pedido de socorro e ratos no Congresso nas charges dos jornais de quinta -  Regi�o - Jornal VS

Charge do Sinovaldo (Jornal VS)

Carlos Pereira
Estadão

Tem havido um esforço de analistas e cientistas políticos brasileiros para tentar explicar porque Lula tem enfrentado mais dificuldades governativas em seu terceiro mandato presidencial. Afinal de contas, estamos falando de um dos líderes políticos mais experientes e tido como sagaz na arte de negociar.

Como seria possível um líder político com tais credenciais estar sofrendo vários revezes no Legislativo a ponto de se colocar na posição de refém de exigências das principais lideranças do Congresso e dos seus novos (velhos) aliados do Centrão, que até bem pouco tempo eram fiéis escudeiros do ex-presidente Bolsonaro?

MUITOS MOTIVOS – São várias as causas elencadas. Vão desde reformas institucionais que teriam enfraquecido o Executivo vis-à-vis o fortalecimento do legislativo, como a que mudou as regras das Medidas Provisórias em 2001, ou a impositividade da execução das emendas individuais em 2015 e das coletivas em 2019, ou até a criação dos fundos partidário e eleitoral que aumentaram a autonomia dos partidos em relação ao executivo.

Também são considerados aspectos mais conjunturais, como a alta fragmentação partidária, diminuição do tamanho das bancadas dos partidos e um ambiente de alta polarização política, que estariam gerando maiores dificuldades para que o presidente obtivesse apoio consistente dos partidos.

O problema dessas interpretações é que outros presidentes, a despeito de governarem com restrições semelhantes ou até piores do que as enfrentadas hoje pelo novo governo Lula, apresentaram uma performance legislativa superior, aprovando um maior número de matérias e reformas no Congresso a um custo relativamente mais barato.

TEMER FOI BEM – Um bom exemplo foi o governo Michel Temer, que geriu  em um ambiente político pós-impeachment extremamente inóspito, de altíssima polarização política e alta fragmentação partidária, com 13,4 partidos efetivos na Câmara dos Deputados (atualmente são 9,27).

Além disso, apenas 28% de cadeiras eram ocupada pelos três maiores partidos na Câmara (atualmente são 45%), com as emendas individuais já impositivas e já sob vigência dos fundos partidário e eleitoral.

Mesmo diante dessas supostas restrições, Temer foi capaz de montar e gerenciar uma coalizão majoritária, ideologicamente homogênea, congruente com as preferências do Congresso e compartilhamento de poderes e recursos de forma proporcional. Essas escolhas permitiram ao governo aprovar e implementar uma agenda legislativa ambiciosa de reformas constitucionais a baixo custo.

O QUE SERIA? – Se tais restrições não são suficientes ou impeditivas para gerar boa governabilidade, o que então explicaria a atual má performance de Lula no Congresso?

No artigo intitulado “Who Controls the Agenda Controls the Legislature”, que acaba de ser publicado no prestigioso periódico American Economic Review, Nageeb Ali e coautores demonstram que o controle da agenda legislativa, em conjunto com a capacidade de manipular estrategicamente recursos políticos (ministérios, cargos no executivo etc.) e orçamentários, são as variáveis chave para o sucesso legislativo mesmo de governos minoritários.

Ou seja, o poder de estabelecer a agenda legislativa aliado à manipulação estratégica de recursos dota o “agenda setter” de “poderes ditatoriais efetivos”, fazendo com que obtenham resultados favoráveis às suas preferências independentemente da política em questão.

NO NOSSO CASO – No Legislativo brasileiro, que é extremamente hierarquizado e centralizado, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado são os de jure agenda setters; ou seja, são os que têm o poder de pautar unilateralmente “o que” e “quando” uma matéria será votada nas respectivas Casas.

Quanto mais o presidente da República compartilha preferências políticas e ideológicas com os presidentes da Câmara e do Senado, maior será a capacidade do executivo de exercer de facto o poder de agenda. Por outro lado, quando possuem preferências incongruentes, menor será o poder de agenda do Executivo.

Em raríssimas ocasiões o chefe do Executivo no Brasil deixou de ter aliados próximos como presidentes da Câmara e do Senado. As exceções são Collor (PRN) e Dilma (PT), que, não por acaso, tiveram Ibsen Pinheiro (MDB) e Eduardo Cunha (MDB) como presidentes da Câmara durante seus respectivos impeachments. Lula, em seu primeiro mandato, também teve que lidar com um não alinhado, Severino Cavalcanti (PP), na presidência da Câmara. Mas foi por um curto intervalo de tempo (de fevereiro a setembro de 2005).

DECISÃO ERRADA – No terceiro mandato, ao invés de apoiar candidatos à presidência das Casas legislativas próximos e confiáveis às suas preferências, Lula decidiu apoiar a reeleição de Arthur Lira (PP) e de Rodrigo Pacheco (PSD) a Câmara e ao Senado, respectivamente. Essa decisão fez com que Lula perdesse o poder de agenda do legislativo, diminuindo assim as chances de obter resultados favoráveis no Congresso às suas preferências.

Ou seja, a montagem de uma super coalizão composta de 16 partidos, a recuperação da discricionariedade na execução de 50% (R$ 9,8 bilhões) das antigas emendas de relator e a criação de novos ministérios para apaziguar novos aliados (PP e Republicanos) não são suficientes para gerar sucesso legislativo sem que o presidente também exerça o poder de agenda.

Como Lula não tem reputação de compartilhar poderes e recursos de forma proporcional com os aliados levando em consideração o peso político de cada um no Congresso, é difícil que sinalize crivelmente que seriam recompensados com um bônus extra no futuro para apoiar um candidato da sua confiança nas próximas eleições para os presidentes das Casas em 2025.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *