Lula vai enfrentar resistências e pagar caro pela aposta perdida contra Milei

Charge 20/10/2023

Charge do Marco Jacobsen (Arquivo Google)

José Casado
Veja

Lula perdeu na rodada final na eleição presidencial argentina. Apostou tudo no peronista Sergio Massa, ministro da Economia, derrotado neste domingo (19/11) pelo deputado de extrema direita Javier Milei. É uma proeza para um economista e deputado de primeiro mandato, com 53 anos de vida e apenas um triênio de experiência política.

A vitória de Milei, conhecido como “El Loco”, foi acachapante e com apoio da maioria pobre. Ele obteve três milhões de votos de vantagem, correspondentes a 11,4% dos 27 milhões contados como válidos, numa eleição com participação significativa (76%) dos argentinos.

FRAGILIDADES – O êxito eleitoral de Milei possui fragilidades intrínsecas. Elegeu-se com promessa de riqueza a um eleitorado encolerizado nas urnas com a disseminação da pobreza entre quatro de cada dez argentinos, queda do salário real pela metade e inflação de alimentos próxima de 300% ao ano.

Suas ideias sobre economia, porém, sugerem um governo convertido numa espécie de talibã do liberalismo — “não há lugar para gradualismos”, avisou em discurso logo depois de eleito.

Como não possui maioria parlamentar e enfrentará forte oposição peronista no Congresso, será obrigado a modular retórica e atitudes recorrentes com pitadas de psicopatia.

MUITA NEGOCIAÇÃO – Para governar com mínima estabilidade, precisará negociar cada passo na condução da economia. Isso, naturalmente, depois de responder à pergunta-chave na política econômica: quem vai pagar a conta do ajuste das contas públicas, fonte da superinflação que empobreceu o país? Ao isentar um segmento do eleitorado, incendiará ânimos de outros.

O mapa eleitoral dá a dimensão do desastre de Massa nas urnas: em Córdoba, maior centro industrial, o ministro da Economia foi vencido por Milei com mais de 74% dos votos. E em Mendoza, região de agroindústria, a derrota foi além dos 71%.

Massa teve desempenho débil até em Buenos Aires, que abriga 40% dos eleitores e onde o peronismo prevalece há 78 anos: venceu Milei com vantagem mínima (1,5 %). Surpreendente, porque, um mês atrás, a metrópole portenha garantiu-lhe a liderança no primeiro turno.

REJEIÇÃO A MASSA – Esse resultado indica grande deserção eleitoral e uma evidente rejeição a Massa na liderança da renovação do partido peronista, ao menos nesta etapa da crise.

Lula ficou no prejuízo com Massa. Jogou o peso do seu prestígio, mobilizou o governo, o Partido dos Trabalhadores e assessores no apoio ao candidato do governo de Alberto Fernández e de Cristina Kirchner. Promoveu uma interferência política sem precedentes, indevida e explícita, nas relações com o principal sócio do Brasil no Mercosul, destino de dois terços das exportações das indústrias brasileiras. Deu errado.

Lula escolheu hostilizar Milei, e acabou hostilizado por ele em comícios. Atacou, também, o ex-presidente Mauricio Macri, líder da centro-direita, com suspeitas de corrupção — sem provas — numa operação de megaempréstimo (40 bilhões de dólares) do Fundo Monetário Internacional à Argentina.

MACRI PRESTIGIADO – Arquiteto e fiador da aliança de Milei com partidos de centro-direita, no segundo turno, Macri deverá ter influência no novo governo a partir do domingo 10 de dezembro.

Lula, agora, vai enfrentar as consequências políticas de uma intervenção externa que, certamente, não aceitaria em eleições brasileiras.

Uma delas é o realinhamento da Argentina com os Estados Unidos em contraponto a interesses específicos do Brasil na política externa para a América do Sul.

Outra é o preço alto que o Brasil pode vir a pagar numa ação diplomática para evitar a implosão do Mercosul, como já ensaia o futuro governo argentino em negociações discretas com o Paraguai e o Uruguai.

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