Pauta de costumes mostra que existe um desprezo ao amor à democracia

Charges sobre democracia - 07/08/2020 - Política ...

Charge do Benett (Folha)

Luiz Felipe Pondé
Folha

Por que, de repente, a chamada pauta de costumes começou a fazer tanto barulho? É fácil rechaçar o fenômeno como “fascista!” e “ultradireita!”. Mas, na verdade, esses xingamentos com ares conceituais de nada adiantam. Afinal, essas pessoas que se importam com a pauta de costumes encontram suas razões para isso. Ou basta chamá-los de idiotas reacionários e ir tomar uma cerveja progressista?

Comunidades morais são um conceito descendente da ideia de “little platoon” —pequeno pelotão— que Edmundo Burke, no século 18, usava para descrever uma espécie de célula mater da moral em sociedade.

AMÉRICA PROFUNDA – O sociólogo americano Robert Wuthnow publicou, em 2018, um livro que deveria servir de exemplo para nossos intelectuais preguiçosos que repousam na ideologia em vez de trabalhar. “The Left Behind , Decline and Rage in Small-Town America” —os abandonados, declínio e fúria na América profunda, numa tradução selvagem.

Trata-se de um estudo empírico, a base de um dossiê de entrevistas com a população da América profunda, aquela mesma que passamos o tempo todo a xingar de trumpistas, fascistas, racistas, misóginos. Não que tais adjetivos não caibam a eles, em alguma medida. Mas eles são muito mais que isso e muito mais nuançados.

Enquanto não aprendermos a entender as nuances do perfil dessa população furiosa e identificada com populismos a direita, não seremos capazes de honrar a nossa função de agentes do pensamento público.

AMÉRICA RURAL – “Comunidades morais” é o conceito que Wuthnow —ele mesmo um confesso liberal, ou seja, membro da elite acadêmica de esquerda da Yvi League, termo usado para as universidades de ricos nos Estados Unidos— usa para descrever o que seriam essas pequenas localidades rurais americanas de “ultradireita”. A América rural, como ele diz.

Uma rede de pequenas empresas de todos os tipos, pequenos fazendeiros, pequenos comerciantes, escolas provincianas, templos religiosos tocados pela própria população, que compõem aquilo que o brilhante economista americano Thorstein Veblen considerava a grande riqueza social e econômica da América. Essa rede é a América profunda, distante das costas e das modas intelectuais que nelas habitam.

A tese de Wuthnow é que essas comunidades se sentem cercadas e atacadas pelas transformações que põem em risco seus modos de viver. Muitas das suas pequenas cidades passam por perdas econômicas importantes —não todas— o que agrava o sentimento de destruição de todo um tecido social ancestral que eles valorizam e no qual se reconhecem.

NAS IGREJAS – A “pauta de costumes,” como se fala entre nós, os preocupa —temas como aborto, drogas, casamento gay e similares— e são objeto de combate, principalmente ali onde se reúnem, nas igrejas.

Mas, mesmo esse “combate” é mais nuançado do que parece quando pensamos neles como “adoradores de Hitler”, como diz a indústria de fake news da esquerda. Quem pensa que só há fake news de direita é um idiota em política contemporânea.

As opiniões são múltiplas e contraditórias, como as reais opiniões são, principalmente quando envolvem pessoas do seu círculo de afetos que fizeram um aborto ou são gays. Essas pessoas não são umas idiotas, como tentam emplacar nelas essa imagem. A “pauta de costumes” é uma das formas de responder à negação do direito de ser como sempre foram.

CERTO OU ERRADO – Moral aqui não é uma doutrina de certo e errado, mas uma rede de relações em que eles se reconhecem e praticam nas famílias, no trabalho, nas igrejas, nas instituições políticas das suas localidades. Valores impregnados como uma língua mater em que repousamos quando a falamos. Sentem que “Washington” e seus “boys” querem obrigá-los a ser o que eles não são. E aí, vão pro pau.

Que tal aproximarmos esse conceito de algumas regiões do Brasil que se sentem atacadas pela nossa inteligência acadêmica de esquerda?

Resposta: não. Basta de conhecer o mundo, há que transformá-lo. O projeto é esmagar quem não concorda comigo, de ambas as partes. O modelo do debate político hoje é o do combate a heresias. O “amor” a democracia é uma farsa.

4 thoughts on “Pauta de costumes mostra que existe um desprezo ao amor à democracia

  1. No Brasil temos a pauta de costumes que está parelha ou até acima da pauta econômica.

    A direita explora bem o conservadorismo da população, ainda mais presente em áreas do interior de municípios das regiões Sudeste e Sul.

    A esquerda prioriza pautas identitárias das minorias, o que desagrada muita gente, inclusive quem vota nessa ideologia, pela economia..

    Essas tendências são bem antigas. As ideias do antigo fascismo são as bases da direita moderna.

    No Brasil, podemos até chamar essa ideologia de um fascismo liberal na economia, o que é bem ruim à maioria da população.

    Nos EUA e na Europa, parece que a direita se deu conta de que a economia liberal não agrada à população, por isso, sua ideologia tende mais ao fascismo antigo. Na Alemanha até um partido mais à esquerda, conseguiu um bom percentual de votos, com ideias mais alinhadas ao nacionalismo.

  2. Nêsgas sobre democracia, em:
    “As Raízes Revolucionárias da ONU.”

    “As mentes radicais que estão por trás da Nova Ordem Mundial criaram um projeto socialista e totalitário de abrangência global. Rastreando os primeiros passos graduais rumo a um governo mundial, podemos encontrar o fundamento definido por uma mistura eclética de visionários socialistas, financistas globalistas, revolucionários comunistas, sociedades secretas, líderes da Nova Era, ricos capitalistas e suas fundações isentas de impostos.”

  3. Fato é que há excessos em quem pretende impor seus maus hábitos, regras de exceção, generalizando, para todos os indivíduos.

    Respeito é a palavra chave que está faltando nesse ChatGPT social e político em que fomos afundados.

  4. Acompanho, ha bastante tempo, Luiz Pondé. Tem explorado temas muito interessantes e importantes.
    “O “amor” a democracia é uma farsa.” É correto, em parte!
    Com tudo que já li, assisti e debati, acredito mais na ignorância da maioria dos eleitores, que sequer sabem o que seja democracia!!!
    Aliás, este é o maior e mais difícil problema em nosso País!
    “O Brasil não tem povo, tem público!” – Lima Barreto

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