Mais de um ano depois, o caso da Abin Paralela não avançou praticamente nada

A sede da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)

É preciso regulamentar os serviços de inteligência no país

Paolla Serra
O Globo

Mais de um ano após a revelação de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) utilizou um programa secreto (FirstMile) para monitorar desafetos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), as brechas na regulamentação desse tipo de atividade continuam. Envolta no que é considerado o maior escândalo de espionagem da história do país, a ferramenta ainda carece de ordenamentos legislativos, limites jurídicos, além de fiscalização e controle.

Na última quinta-feira, a Polícia Federal cumpriu novos mandados de prisão e de busca e apreensão expedidos pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), contra ex-servidores da Abin. O inquérito aponta que eles teriam utilizado o programa FirstMile por determinação do então diretor-chefe da pasta, Alexandre Ramagem, para acompanhar a localização de pessoas pré-determinadas por meio dos aparelhos celulares.

MUITOS ALVOS – O uso da tecnologia foi divulgado pelo Globo, em março do ano passado. Desde então, foram identificados alvos como membros da cúpula do Judiciário, da Câmara dos Deputados, além de jornalistas.

Nesse período, no entanto, a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) do Congresso Nacional, responsável por realizar o controle e a fiscalização externos das atividades de inteligência, por exemplo, não realizou nenhuma reunião.

Um dos motivos apontados nos bastidores do colegiado é o imbróglio criado pela permanência do próprio Ramagem, atualmente deputado federal e pré-candidato à Prefeitura do Rio pelo PL, na comissão. Ele é um dos investigados pela PF na chamada “Abin paralela” e chegou a ser alvo de uma das operações, realizada em janeiro.

PEÇA FUNDAMENTAL — “O serviço de inteligência é uma peça fundamental em todo o estado democrático justamente para garantir a manutenção dos direitos fundamentais. No Brasil, sobretudo depois de todo o avanço dessas investigações, é necessário que se repense a lei, com o fortalecimento de autonomia comprometida com esses valores para que o Executivo projete a Abin como essencial para uma política de Estado e, consequentemente, de governo” — explica o pesquisador Alexandre Walmutt Borges.

Ramagem decidiu deixar a CCAI, após pressão pela sua saída, em abril. Na época, porém, ele negou qualquer relação entre a decisão de desligamento e o inquérito e disse que “precisava se dedicar à campanha”.

O parlamentar também nega qualquer participação no esquema clandestino de monitoramento de autoridades.

OMISSÃO DO CONGRESSO – Em paralelo, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu, em dezembro do ano passado, para o STF reconhecer uma omissão do Congresso em não regulamentar ferramentas como o FirstMile.

O ministro Cristiano Zanin concordou e então transformou o processo em uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), instrumento que visa reparar uma violação às normas constitucionais.

Na última audiência pública, no mês passado, as discussões, para coletar informações qualificadas para subsidiar o julgamento da questão pela Corte, abordaram os limites legais protetivos das comunicações pessoais e as hipóteses relativas às normas penais que admitem exceções a essas regras.

REGULAMENTAÇÃO — “A Abin ainda carece de uma delimitação na regulamentação da lei que lhe criou, em 1999, cujo conceito de atividade de inteligência implica tudo. Isso faz com que não haja um objetivo claro, ao mesmo tempo, em que seu orçamento é pífio, considerando a dimensão do país e sua posição estratégica no cenário internacional” — pondera a cientista política Priscila Brandão, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Para rebater a acusação de omissão no STF, a Câmara apresentou uma lista com 16 projetos que teriam relação com a regulação do uso desses sistemas. Nem todos as propostas, contudo, estão diretamente vinculadas ao tema.

Para o diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão, é importante que se tenha uma legislação apropriada que se estabeleça um efetivo controle da atividade de inteligência no país.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOGAs investigações causaram grande alvoroço, mas não possibilitaram nenhum avanço em termos institucionais. Motivo: falta de vontade política, um mal que contamina toda a administração pública. (C.N.)

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