Hélio Schwartsman
Folha
Nunca menospreze o poder mobilizador das guerras culturais. Em 1925, os EUA pararam para acompanhar o julgamento de John T. Scopes, o professor de biologia da cidadezinha de Dayton, acusado de violar uma lei do estado do Tennessee que proibia o ensino do darwinismo.
Todos os ingredientes de uma boa guerra estavam ali: religião contra ciência, autonomia dos estados contra a Constituição Federal, o povo do sul contra os ianques. Não é à toa que o episódio tenha sido apelidado de “julgamento do século” e, na fórmula mais ácida de H.L. Mencken, “julgamento do macaco”.
BATALHA JURÍDICA – “Keeping the Faith” (mantendo a fé), de Brenda Wineapple, mergulha fundo nessa história. A autora dá especial atenção aos dois advogados principais do julgamento, William Jennings Bryan, que atuou pela acusação, e Clarence Darrow, pela defesa.
Bryan está em todos os livros de história. Foi três vezes candidato à Presidência pelo Partido Democrata. Era um populista de mão cheia. Tinha posições relativamente progressistas em relação à organização do trabalho (sindicatos), mas era um fundamentalista religioso com fortes tendências racistas. Foi um dos principais defensores da Lei Seca.
Darrow também teve alguma militância no Partido Democrata e em favor dos sindicatos, mas as semelhanças acabam aqui. Darrow era socialista, declaradamente agnóstico e sempre se prontificava a atuar como advogado de defesa de autores de crimes que haviam chocado o país.
PERFIL DA ÉPOCA – Ao retratar o julgamento do século e seus protagonistas, Wineapple traça o perfil de uma época. As semelhanças entre os anos 20 do século passado e do atual são notáveis: forte polarização, censura a livros, ameaça do populismo, conflitos entre poder central e local.
Scopes em tese perdeu. Foi condenado a pagar uma multa de US$ 100, mas Darrow chamou Bryan a depor na condição de especialista em religião e o humilhou, enredando-o nas infinitas inconsistências e contradições do texto bíblico. A vitória moral foi de Darwin.
Não deixa de ser desconcertante constatar que pouca coisa mudou em cem anos.
Ufa! Por algum momento acreditei que o CN havia abraçado o criacionismo.
Sinal que nem tudo está perdido.
O último parágrafo também pode ser aplicado para o nosso presidente. Com a volta dos mesmos mecanismos que levaram ao mensalão e petrolão. Em vinte anos não mudou nada