José Perez
A jornalista, escritora e apresentadora de TV Marina Colasanti, de 87 anos, morreu nesta terça-feira (28) em sua casa em Ipanema, no Rio. Autora de mais de 70 obras para crianças e adultos, Marina ganhou nove vezes o prêmio Jabuti. A causa da morte ainda não foi divulgada.
O velório será no Parque Lage, onde a escritora morou de 1948 a 1956. A cerimônia restrita a familiares e amigos acontece das 9h às 12h desta quarta-feira (29). Marina era sobrinha da cantora lírica Gabriela Bezansoni, dona do Parque Lage na Zona Sul do Rio.
NASCEU NA ERITRÉIA – Marina Colasanti nasceu na então colônia italiana da Eritreia. Viveu sua infância na Líbia e então voltou à Itália onde viveu onze anos. Por conta da difícil situação vivida na Europa após a Segunda Guerra Mundial, Colasanti e sua família emigram para o Brasil em 1948, fixando residência no Rio de Janeiro.
Em 2023, se tornou a 10ª mulher a conquistar o cobiçado Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras e considerado um dos principais prêmios literários do país.
Em nota, a Academia Brasileira de Letras lamentou a morte de Marina e exaltou o seu legado. “Escritora brilhante, autora de mais de 70 obras que encantam crianças e adultos, Marina deixa um legado inesquecível para a literatura e a cultura brasileiras”, diz o comunicado.
Marina era casada com o poeta Affonso Romano de Sant’Anna e deixa uma filha, a atriz, roteirista e diretora Alessandra Colasanti, e um neto.
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EU SEI, MAS NÃO DEVIA
Marina Colasanti
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor.
E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma acender mais cedo a luz.
E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.
E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.
E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.
E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer filas para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes.
A abrir as revistas e a ver anúncios.
A ligar a televisão e a ver comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.
As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
À luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
À contaminação da água do mar.
À lenta morte dos rios.
Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.
Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta, de tanto acostumar, se perde de si mesma.
Excelentíssima escritora!
Que descanse em paz e conforte toda família.
Marina Colassanti e Afonso Romano de Santana, dois escritores e intelectuais.
O Alzheimer, segundo as estatísticas sobre a doença, afeta mais as mulheres do que os homens. O Parkinson ao contrário afeta mais os homens.
O ator Paulo José, conseguiu viver vários anos com o Mal de Parkinson. Aprendeu a tocar piano e fazia exercícios diários. Porém, tem uma hora, que não dá mais e a doença vence.
Marina Colassanti, partiu hoje. convivia com o Parkinson. Marina passava nas suas entrevistas, ser uma pessoa muito doce, resiliente, fala mansa, culta demais.
A vida é uma mistura de dramas e de tragédias, com alegrias durante essa trajetória , no tempo que nos cabe na viagem pela Terra.
Perdemos uma grande escritora e jornalista. vai fazer muita falta para a Cultura Nacional!!!!