Marco Aurelio foi um especialista em soltar criminosos
Rogério Pagnan e Mariana Zylberkan
Folha
Às vésperas de ser condenado a 47 anos de prisão, Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, com extensa ficha criminal e apontado como o número 3 do PCC, conseguiu deixar uma penitenciária de segurança máxima no interior de São Paulo para assumir, como temia o governo paulista, o comando da facção nas ruas.
Para deixar a prisão, em fevereiro de 2017, Simone não precisou de cordas, túneis ou gastar milhões com um plano de resgate. Saiu pela porta da frente após convencer a Justiça desse merecimento, o mesmo caminho seguido por mais de 30 importantes membros do grupo criminoso em sete anos, conforme levantamento da Folha.
Essa lista inclui integrantes do PCC soltos após cumprimento de suas penas, seguindo a lei. A maioria das decisões, porém, envolve ritos processuais com medidas polêmicas e que provocaram críticas em setores da polícia.
ANDRÉ DO RAP – Um dos casos mais rumorosos ocorreu em outubro de 2020, quando o então ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), mandou soltar o narcotraficante André de Oliveira Macedo, 43 anos, o André do Rap, do PCC.
Ele foi preso no final de 2019, depois de ficar anos foragido, e colocado em liberdade porque o ministro entendeu que o tempo de prisão preventiva excedia o limite previsto em lei. A decisão foi revertida dias depois, pela presidência do STF, mas ocorreu após o narcotraficante desaparecer do monitoramento policial.
Segundo a legislação, a prisão preventiva deve ser renovada pela magistratura a cada 90 dias por ser considerado um artifício jurídico excepcional, já que é aplicada antes da condenação formal do preso.
PORTAS ABERTAS – Antes dele, que continua foragido, o mesmo ministro já havia mandado soltar ao menos outros quatro criminosos da facção chefiada por Marco Camacho, o Marcola, todos sob a justifica de haver excedido o prazo entre a prisão e uma condenação definitiva. A defesa de André do Rap foi procurada pela reportagem, mas não respondeu.
Marco Aurélio, que se aposentaria em 2021, também determinou a soltura de Valter Lima Nascimento, o Guinho, tido como braço direito de Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, por sua vez apontado como principal fornecedor de drogas para o PCC.
Guinho foi solto em abril de 2020. Em janeiro deste ano, foi preso por policiais da Rota (tropa de elite da PM paulista) em cumprimento a novo mandado judicial. Dois meses depois, teve nova prisão decretada a pedido da Polícia Federal sob suspeita de participação no plano de sequestrar o senador Sergio Moro (União Brasil-PR), ex-juiz da Lava Jato.
LEWANDOWSKI – Policiais ouvidos pela Folha apontam que a soltura de outro preso, ocorrida em 2016, foi uma decisão tão questionável quanto à de André do Rap. Eles citam a liberdade concedida a Cláudio Roberto Ferreira, o Galo, condenado a mais de 65 anos de prisão por participar, em 2008, de um roubo em Guarulhos que terminou com três mortos.
Ele foi preso em agosto de 2015 após ficar anos foragido. Em agosto de 2016, um ano depois da prisão, o então presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, concedeu novo habeas corpus a Galo sob o argumento de que ele só deveria ser preso após sentença definitiva.
A decisão foi revogada dias depois, mas o suspeitou tornou-se foragido. Só foi encontrado em julho de 2018 na zona leste da capital, morto em uma guerra interna do PCC. A defesa de Galo foi procurada pela reportagem, mas não respondeu.
ALEGAÇÃO PÍFIA – Em junho deste ano, ministro do Sebastião Reis Júnior, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), mandou soltar Leonardo Vinci Alves de Lima, 47, o Batatinha, flagrado por policiais com 2 kg de cocaína em agosto de 2019, na sul da capital paulista.
O magistrado considerou a abordagem da PM ilegal por ter sido motivada apenas pelo nervosismo demonstrado pelo réu ao avistar uma viatura da Rota.
Outro solto recentemente foi Décio Luís Gouveia, 56, o Décio Português, que estava na Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Antes de ser preso, era considerado o número 3 da facção. Ele foi solto em agosto deste ano por determinação do ministro Ribeiro Dantas, do STJ, que concedeu habeas corpus por excesso de prazo na prisão preventiva. A defesa não respondeu aos questionamentos da reportagem.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – A impressionante lista mostra que Marco Aurelio Mello foi um especialista em soltar chefões do PCC. Neste particular, o ministro Ricardo Lewandowski deu o ar de sua graça. Imaginem o tamanho da lista, se forem incluídos líderes do Comando Vermelho e de outras facções… E o Supremo, o que diz sobre isso? Nada, rigorosamente nada, porque o corporativismo fala mais alto. (C.N.)