Deltan Dallagnol
Gazeta do Povo
O fato quase passou batido para muita gente, mas, nesta semana, postei um vídeo nas minhas redes sociais que causou uma rara unanimidade de opiniões entre promotores, procuradores e advogados criminalistas. Trata-se de um vídeo curto, de 29 segundos, de jornalistas da GloboNews comentando a notícia de que a Procuradoria-Geral da República (PGR) achava a delação do tenente-coronel Mauro Cid “fraca” e desprovida de “provas de corroboração”, isto é, de provas que a confirmassem, o que é essencial para que uma delação premiada possa se tornar uma acusação e uma condenação.
RECADOS DO SUPREMO – O vídeo começa com a jornalista Andréia Sadi falando com seu colega, o comentarista Octavio Guedes: “Agora, Octavio, de fato, se não houver denúncia…” Sadi levanta a bola para seu colega matar no peito: “Impossível não haver denúncia”, responde Guedes, de forma categórica.
“O Ministério Público Federal já recebeu recados do Supremo de que existe o crime de prevaricação [o qual envolve deixar de fazer algo que deve ser feito]. E que no caso do Cid, se eles insistirem nessa briga, eles podem tomar um processo de prevaricação no meio da cara”, revela, sem hesitação e em tom triunfante.
“Eles também?” pergunta o jornalista Marcelo Lins para Octavio. “Eles também, o Ministério Público, o MP”, confirma Guedes.
Tive que assistir ao vídeo mais de uma vez para acreditar no que eu estava vendo e, no momento em que escrevo este artigo, posso dizer que a reação dos meus seguidores foi a mesma: o vídeo foi visto originalmente 501 mil vezes, mas foi repetido 456.524 vezes, num total de quase 1 milhão de visualizações. Milhares de brasileiros, ao assistirem aquilo, também tiveram que repetir o vídeo para ter certeza do que estavam vendo.
STF AMEAÇA O MPF – O que o jornalista fez, ao vivo, foi dizer que o Supremo ameaçou os membros da Procuradoria-Geral da República com um processo criminal por prevaricação caso eles não façam o que o STF quer, isto é, apresentar uma acusação formal contra Bolsonaro, a chamada denúncia criminal.
O fato chama atenção porque a função do jornalista, além de informar o público, é de fiscalizar e cobrar os poderes constituídos, e não de endossar e apoiar o abuso de poder de quem quer que seja. O brilhante Millôr Fernandes resumia bem a função do jornalista: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados.”
Muitos desses jornalistas da GloboNewstornaram-se extremamente críticos da Lava Jato, apontando abusos que simplesmente não existiram. Agora, diante da grande oportunidade de mostrarem isenção e seriedade, não fizeram a mesma crítica quando se trata de ministros do STF. Por quê? É por que eles são poderosos? Ou simplesmente para não perderem as fontes?
EXEMPLO DA LAVA JATO – Um exemplo disso são as diversas críticas que a Lava Jato recebeu, com base em supostas conversas obtidas por meio criminoso pelo hacker de Araraquara. Diziam os críticos que tais mensagens revelavam um conluio entre o Ministério Público e o juiz da Lava Jato para processar e condenar réus selecionados, o que jamais existiu e nem ficou provado em lugar algum.
Mas quem criticava a Lava Jato agora ficou em silêncio diante do relato de Octavio Guedes. Fica a pergunta: quer dizer então que o juiz não pode combinar com o promotor denunciar alguém (o que nunca aconteceu), mas tudo bem o STF obrigar a PGR a denunciar Bolsonaro (o que parece estar acontecendo)?
O duplo padrão, visto em menos de 30 segundos, prova que o problema não eram os supostos abusos da Lava Jato. O problema mesmo eram os alvos. O problema é que a própria Lava Jato prendeu e condenou muita gente importante, inclusive quem hoje senta na cadeira de presidente da República.
É TUDO VERDADE? – Vamos partir do pressuposto de que o jornalista está falando a verdade, até porque não houve nenhuma reação do STF desmentindo o absurdo. Ou seja: há uma conta de chegada, um resultado predeterminado por esses ministros, que é a condenação de Bolsonaro. Não há direito à ampla defesa e ao contraditório, nem qualquer outra possibilidade que não seja a condenação.
E o prejulgamento está acontecendo antes do desenvolvimento e da conclusão das investigações. Neste caso a hipótese correta já está pré-determinada, como no suposto caso de agressão ao ministro Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma. Não se trata de investigar e buscar a verdade. Condenar é apenas questão de tempo.
A pergunta de ouro em toda essa história é: quem vai denunciar os procuradores por prevaricação caso Bolsonaro não seja processado e o STF decida levar sua ameaça às últimas consequências? Isso porque o titular da ação penal é o Ministério Público. Então se o próprio Ministério Público chegar à conclusão de que não há provas para incriminar Bolsonaro, quem vai denunciar o Ministério Público por prevaricação?
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Enviado por Mário Assis Causanilhas, o artigo mostra a que ponto de surrealismo chegamos. É claro que ninguém vai processar procuradores. Esse tipo de distorção só ocorreu no caso da Lava Jato, que foi atacada por todos os lados, para aliviar o combate à corrupção. Agora, não há mais clima para repetir a dose. (C.N.)