Deltan Dallagnol
Gazeta do Povo
Na última semana, ocorreu o desfecho de um dos momentos mais lamentáveis da história da operação Lava Jato: a gestão do juiz federal Eduardo Appio, também identificado como “LUL22” – login que usava no sistema da Justiça, visível aos servidores, numa alusão à campanha de Lula nas eleições de 2022.
Num acordo estranho e inédito com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o juiz Appio renunciou à 13ª Vara Federal de Curitiba e aceitou ser removido para uma outra área da Justiça Federal. Mais ainda: admitiu ter cometido condutas impróprias na condução dos processos da Lava Jato.
LEI DA MAGISTRATURA – Com o login de dar orgulho à companheirada petista, Appio violou em tese a Lei Orgânica da Magistratura, que impede juízes de exercerem atividade político-partidária e promoverem propaganda política, já que servidores da Vara liam a mensagem eleitoral implícita toda vez que batiam os olhos no seu login, que aparecia ao lado de “eventos” (fases ou documentos) que ele assinava nos processos eletrônicos.
Appio desconversou no início, só para depois desmentir a si mesmo e confessar em uma entrevista que usou mesmo “LUL22” como login.
Descobriu-se, ainda, que o juiz havia doado para a própria campanha de Lula, segundo registros do próprio TSE, e para outra candidata do PT ao cargo de deputada estadual pelo Paraná. Ele negou as doações e, como deputado, pedi a instauração de investigação da Polícia Federal para apurar o fato.
CODINOME ABELHA – Na sequência, surgiram novas descobertas muito preocupantes no histórico do juiz LUL22. Entre as descobertas: soube-se que seu pai, político, constava nas planilhas da Odebrecht, sob o codinome “Abelha”. Será que alguém que teve o pai implicado nas investigações teria imparcialidade para julgar o caso?
Além disso, identificou-se algo pior: o próprio juiz vendeu um apartamento a um condenado da Lava Jato, o político petista André Vargas, em uma operação de lavagem de dinheiro que foi objeto de denúncia do Ministério Público. O próprio juiz “LUL22” teria sofrido punições disciplinares pela declaração da venda do apartamento por valor diferente do valor real.
Na Câmara dos Deputados, eu e dezenas de outros deputados da oposição apresentamos reclamação disciplinar contra o juiz “LUL22”. Outros políticos fizeram a mesma coisa e o Ministério Público Federal em Curitiba entrou com mais de 30 pedidos de suspeição contra Appio.
SEMPRE IMPUNE – Durante algum tempo, Appio conseguiu dar sequência à sua atuação contra a Lava Jato, fazendo críticas públicas. Mais ainda: emitiu uma série de decisões muito questionáveis que foram revertidas pelo Tribunal. Tudo ajudava o governo Lula a reescrever a história e executar sua vingança contra os juízes e procuradores da operação.
Mas então veio a bomba: o juiz foi acusado de alegadamente fazer uma ligação ameaçadora ao filho do desembargador Marcelo Malucelli, responsável por revisar as decisões do próprio juiz “LUL22” no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). A ligação foi gravada pela vítima.
Diante das evidências fortíssimas de irregularidades, inclusive da gravação em vídeo em cujo exame a Polícia Federal atestou a alta probabilidade de a voz ameaçadora ser de fato a de Appio, o juiz acabou afastado de suas funções e teve sua suspeição declarada pelo TRF4.
TOFFOLI SOCORRE – Depois disso, Toffoli surpreendentemente – ou talvez não tanto, dado o histórico de sua ligação com o petismo e de decisões contra a Lava Jato – anulou a suspeição de Appio, mas manteve seu afastamento.
Agora, soubemos que o juiz “LUL22” fez um “acordo” com o CNJ para encerrar o processo disciplinar contra ele, em que admitiu condutas impróprias, mas sem especificar quais condutas. Tanto o “acordo” quanto a “confissão” meia-boca do juiz são bastante estranhas e sem precedentes no âmbito do Direito Administrativo Sancionador.
No processo disciplinar, não há partes e nem interesses divergentes a serem conciliados para que sejam propostos “acordos”: existe apenas a investigação de condutas ilícitas e a punição, de caráter repressor e disciplinar, a quem cometeu a irregularidade. É a primeira vez que ouço falar de acordo disciplinar.
CONDUTAS IMPRÓPRIAS – Nunca se ouviu falar, ainda, de alguém que confessasse condutas impróprias sem dizer, de maneira específica, quais condutas seriam essas – pressuposto lógico até para se verificar se a conduta foi de fato imprópria ou não e o grau da impropriedade. Mais ainda, a sociedade tem o direito de saber quando um juiz federal admite condutas impróprias e quais condutas seriam essas, por três razões
Primeiro, por uma questão de transparência, que foi alegada pelo ministro Salomão, que preside o CNJ, ao divulgar relatório preliminar de inspeção sobre a Lava Jato, em que aventava “possíveis irregularidades”, algo igualmente inédito. Inédito porque a sindicância é sigilosa e porque não havia prova de nada, meras suspeitas infundadas.
Coincidentemente, a inédita divulgação do relatório parcial aconteceu logo antes de Lula, que declarou querer se vingar da Lava Jato, estar apto a escolher o novo ministro do STF, cargo para o qual Salomão é um dos principais candidatos.
###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Enviado por Mário Assis Causanilhas, o artigo mostra a que ponto caiu a Justiça brasileira. É constrangedor. (C.N.)