Pai de Lira é um dos beneficiário e recebe até royalties
Natália Portinari
Metrópoles
Beneficiadas com R$ 800 milhões em emendas de relator durante o governo Jair Bolsonaro, prefeituras alagoanas aumentaram em até oito vezes os atendimentos que registraram no SUS, nos últimos quatro anos, muitas vezes de maneira desproporcional às populações locais ou com dados que não condizem com a realidade encontrada pela coluna ao visitar os municípios.
Uma série de reportagens mostra a forma com que cidades, como Roteiro, Feira Grande, Barra de São Miguel, entre outras, informam números de atendimentos, consultas, suturas, administrações de remédios e outros procedimentos que em alguns casos superam até a capacidade de atendimento das equipes de saúde das cidades.
MAIS REPASSES – O aumento nos números permite, em tese, que as cidades ampliem o teto de repasses que recebem do Ministério da Saúde e assim sejam destinatárias de mais dinheiro por meio de emendas parlamentares.
A Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) têm investigações abertas sobre os dados de produção do SUS em Alagoas e em outros estados.
Um levantamento da coluna apontou que cerca de um quarto dos 103 municípios de Alagoas aumentaram em mais de 60% sua produção no SUS, na comparação entre o ano de 2019, pré-pandemia, e o de 2022.
PAI DE LIRA – A cidade com o maior aumento, de oito vezes, foi Barra de São Miguel, administrada pelo ex-senador Benedito de Lira, pai do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, do PP. Há uma investigação do Ministério Público sobre o tema. A administração de medicamentos, por exemplo, aumentou em 46 vezes, e os gastos são proporcionalmente altos demais.
Há outros dados de explicação difícil. Em Feira Grande, cidade de 22,7 mil habitantes, foram registradas 282 mil suturas em 2022. É como se cada morador tivesse se acidentado, precisado de uma sutura e sido atendido pelo sistema de saúde local, em média, 12 vezes ao ano.
A enfermeira-chefe de um dos postos de pronto-atendimento da cidade, Priscila Barbosa, elogiou o sistema de saúde onde trabalha. “Tem dia que tem que ter dois médicos atendendo aqui.” Mas estranhou o número de suturas no DataSUS, sistema de dados do SUS.
REGISTRO ERRADO – Em um plantão incomum, bastante agitado, Barbosa lembrou que já viu até cinco acidentes em um único dia, com cinco suturas no total. Mesmo que todos os dias fossem assim, seriam 1.825 suturas no ano. O registro no SUS “pode estar errado”, reconheceu. A Secretaria de Saúde da cidade foi procurada pela coluna, mas não respondeu.
No governo Jair Bolsonaro, Feira Grande recebeu R$ 7,3 milhões em emendas de relator para incremento de ações de saúde. O deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, indicou R$ 3 milhões, quase metade do total, entre 2021 e 2022.
Como a cidade continua aumentando a administração de medicamentos na atenção especializada, seguirá havendo margem para uma verba gorda nos próximos anos.
FRAUDES EVIDENTES – Em Roteiro, no litoral alagoano, o número de visitas domiciliares é 10 vezes maior do que os funcionários do SUS dizem ter estrutura para fazer.
Apesar de repasses milionários, a cidade deixou a população sem medicamentos e sem exames por meses, além de ter registrado 10 vezes mais visitas do que os funcionários dizem ter capacidade de fazer. A cidade também recebeu emendas de relator destinadas por Lira.
Em Jaramataia, que recebeu R$ 1,7 milhão em emendas de relator a pedido do deputado Marx Beltrão, do PP, os números passaram de 4 mil atendimentos no SUS em 2019 para 26,6 mil em 2022. No mesmo intervalo, o município também duplicou a quantidade de consultas, passou a realizar centenas de exames e viu o total de medicamentos administrados a pacientes saltar de zero para 2.153. Procurada, a prefeitura não explicou o aumento.
SEM AUDITORIA – Segundo o Ministério da Saúde informou à coluna por meio da Lei de Acesso à Informação, ainda não há auditoria finalizada no SUS para apurar se cidades de Alagoas conseguiram aumentar artificialmente seu teto de despesas. O órgão não respondeu sobre eventuais auditorias em andamento.
Em nota, o ministério disse que “vem aprimorando as regras de negócio dos sistemas oficiais de informação, objetivando reduzir os riscos de registros de produção assistencial distorcidos ou irregulares” e que, ao detectar números excessivos ou discrepantes, encaminha os achados aos órgãos competentes. Estão sendo analisados dados de produção de 467 municípios.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – É a farra do boi em matéria de emendas parlamentares, uma tragédia anunciada. Já se sabia que a cidade do pai de Arthur Lira, que recebe até royalties do petróleo, seria “beneficiada”. Agora veio a confirmação. E não vai acontecer nada, rigorosamente nada, a nenhum dos protagonistas desse escândalo federal, que começa a desviar recursos públicos na apodrecida Praça dos Três Poderes e vai terminar lá nos grotões do interior do país. Mas quem se interessa? (C.N.)