Renata Galf
Folha
Os holofotes sobre ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) por episódios fora dos autos dos processos levaram desgaste ao Judiciário nos últimos dias e expuseram entraves no controle e fiscalização dos magistrados que integram a mais alta corte do país.
Num intervalo de apenas quatro dias, entre 12 e 15 de julho, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes entraram no centro das atenções e suscitaram a retomada de discussões sobre a politização da corte, inflamando ataques contra ela e questionamentos sobre sua imparcialidade.
SEM CONTROLE – Estabelecer meios para tratar da atuação pública de ministros do STF ainda é um desafio, segundo especialistas ouvidos pela Folha. O topo da hierarquia do Judiciário não tem um órgão de controle semelhante à função exercida pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em relação à magistratura de modo geral.
Assim, caminhos que envolvam estabelecer regras ou sanções, por exemplo, dependeriam do controle do próprio tribunal sobre seus membros. Além disso, há quem aponte necessidade de um maior detalhamento das regras de impedimento e suspeição como modo de constranger a atuação de ministros na arena pública.
O Senado Federal tem competência para avaliar pedidos de impeachment de ministros do STF, mas a punição é vista por especialistas como medida drástica que não se aplicaria às condutas questionadas.
MUNIÇÃO PARA CRÍTICAS – Depois de integrantes do Supremo terem sido alvo principal de ataques ao longo do governo de Jair Bolsonaro (PL), incluindo discursos e ações que culminaram nos ataques de 8 de janeiro, episódios recentes acabaram dando munição para críticos de integrantes da corte.
O ministro Barroso foi alvo de críticas após discurso em evento da UNE (União Nacional dos Estudantes) no último dia 12 no qual afirmou que “nós derrotamos o bolsonarismo”. A fala foi condenada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e resultou em um pedido de impeachment liderado por aliados de Bolsonaro. Depois, surgiu o vídeo dele dom Joesley Batista em Lisboa.
Já Gilmar Mendes ironizou o deputado federal cassado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), afirmando que o ex-procurador poderia “fundar uma igreja”. A declaração ocorreu no sábado (15) em evento online do Prerrogativas, grupo de advogados crítico da Lava Jato e que apoiou a candidatura de Lula ao Planalto.
BRIGA NO AEROPORTO – Moraes, por sua vez, foi alvo de hostilidades no dia 14 no aeroporto de Roma. Apesar de ter sido vítima, os desdobramentos tiveram repercussão negativa após a revelação de que realizadores do evento de que havia participado na Itália incluíam um grupo empresarial condenado na Justiça Federal a pagar R$ 55 milhões por danos morais coletivos por divulgação de um suposto “tratamento precoce” contra a Covid-19.
Além disso, a investigação da PF, que apura uma agressão ao filho dele, gerou questionamento sobre sua proporcionalidade após ter incluído uma busca e apreensão na casa dos suspeitos.
E o governo Lula (PT) anunciou nesta sexta-feira (21) um projeto para punir crimes contra a democracia, prevendo até 40 anos de prisão para quem atentar contra a vida dos presidentes dos Poderes e de integrantes do Supremo, com fim de alterar a ordem constitucional democrática.
MUDAR É PRECISO – Rubens Glezer, professor da FGV Direito SP e coordenador do grupo de pesquisa Supremo em Pauta, avalia que é importante uma mudança na maneira de comunicação dos ministros do STF e defende que o próprio tribunal tome a iniciativa, institucionalizando a decisão.
“Hoje vigora um paradigma que cada ministro ou ministra decide como quer fazer a sua comunicação”, diz ele, que inclui no pacote a presença em redes sociais, comparecimento a eventos e entrevistas.
Para Glezer, seria importante que os ministros estabelecessem algum modo de autocontenção, sob o entendimento de que, caso eles próprios não limitem seus poderes e liberdades, outros atores políticos o farão — o que, a seu ver, tende a levar a resultados exagerados.
HAVERÁ RETALIAÇÃO – Nesse sentido, a própria apresentação de pedidos de impeachment contra ministros, assim como eventuais reformas legislativas alterando os poderes da corte, seriam ferramentas à disposição de forças externas para retaliação.
De outro lado, o debate sobre a existência de algum órgão controlador que pudesse punir os ministros cairia em questões praticamente insolúveis, como a de quem controlaria esse outro órgão, dado que o STF é a cúpula do Judiciário.
Ao julgar a constitucionalidade da criação do CNJ, que tem o poder de emitir resoluções e sancionar juízes, o Supremo decidiu que ele não estava sob a competência do órgão. Nas últimas eleições, por exemplo, diferentes magistrados foram alvo do conselho por postagens nas redes sociais. A Constituição veda aos juízes “dedicar-se à atividade político-partidária”.
ATUAÇÃO PÚBLICA – Juliana Cesario Alvim, professora de direito da UFMG e da Central European University, considera que o estabelecimento de normas que regulem a atuação pública dos ministros, como um código de conduta, seria um passo importante, tanto pelas declarações, mas especialmente por eventos patrocinados.
A professora entende que o próprio tribunal pode liderar esse processo, pensando coletivamente em uma solução, e frisa a importância da medida no contexto de ataques.
“Esse contexto torna ainda mais urgente esse debate, de forma a proteger a própria instituição”, diz ela, que frisa ser importante diferenciar os ataques das críticas a decisões, como as feitas pela academia e pela imprensa.
OPINIÕES E SUSPEIÇÕES – Também a professora da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) Fabiana Luci de Oliveira considera que é preciso lidar com o que vê como uma excessiva manifestação de opinião por ministros em relação a casos e questões que possivelmente serão julgados pelo próprio tribunal.
Para Fabiana, que pesquisa o Supremo e é líder do Núcleo de Estudos em Direito, Justiça e Sociedade, um possível caminho seria o de tornar mais explícitas e detalhadas as causas de suspeição.
De modo semelhante, André Rosilho, advogado e professor de direito administrativo da FGV, também entende que regras mais objetivas do que as atuais sobre casos que gerariam suspeição e impedimento dos magistrados poderiam ser mais efetivas.
“Se a norma é mais precisa, ele acaba ficando mais constrangido em se declarar impedido, ocorrendo aquela situação”, afirma.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – De toda forma, é inaceitável a atual situação, em que ministros opinam sobre tudo e não se declaram suspeitos sobre nada, a ponto de atuarem em processos nos quais são parte, como está ocorrendo com Alexandre de Moraes no caso do aeroporto, sem que ninguém reclame, ninguém diga nada. (C.N.)