Mural de Portinari embeleza uma das entradas do Palácio
Jorge Béja
O decreto que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional é bastante antigo e até hoje vigente, a salvaguardar os bens que marcam a História e a Arte nacionais. É o Decreto-lei nº 25, de 30 de Novembro de 1937, assinado pelo Presidente da República, doutor Getúlio Vargas, junto com Gustavo Capanema, então ministro da Educação e Cultura.
São 29 artigos imortais. E que ninguém se atreva a alterá-lo, desconstituí-lo, porque afrontado ele já vem sendo pela ignorância do ministro Paulo Guedes, que queria vender até o Palácio Capanema, a mais importante obra do período republicano.
SAIU NO JORNAL – “União põe à venda Mercadinho São José e antiga sede da Ancine”, é o título da matéria de quatro colunas e meia página, publicada na edição deste sábado do O Globo (página 39). Começa informando que “o Mercadinho São José, em Laranjeiras, está entre os 168 imóveis apresentados pelo Ministério da Economia durante o primeiro Feirão de Imóveis SPU+, para pré-venda, por estarem desembaraçados….”.
Êpa, paremos por aí. Pré-venda? Venda? A matéria tem muito mais notícia, inclusive a declaração de Eduardo Paes, prefeito do Rio, sobre a inclusão para leilão do Palácio Capanema, que recebeu forte reação do povo e das instituições do Rio. Disse Paes:
“Fiquei muito impressionado com a defesa ao Capanema, como se frequentassem o prédio. É um prédio estatal, usado por poucos em benefício de poucos… Questiono por que as pessoas defendem tanto sem nunca terem frequentado”.
PESSOAS CULTAS – Respondo eu: Defendem o Palácio Capanema porque são pessoas cultas, eruditas e sabem o valor arquitetônico e histórico daquele prédio, enquanto você, Paes, é um coroa-garotão imaturo, de poucos estudos e que, naquela conversa ao telefone com Lula e que a Polícia Federal gravou durante a Lava Jato, menosprezou a belíssima cidade de Maricá, pertinho aqui no Rio e que tem cinco gigantescas lagoas interligadas, com ecossistema preservado.
Mas não é do Palácio Capanema que estamos aqui a falar, como se diz em Portugal. Falemos do imóvel que foi título de matéria do O Globo, que é o “Mercadinho São José”. Antes, é importante dizer desde logo que, a teor do artigo 11 do Decreto-Lei do Presidente Vargas, bens públicos tombados só podem ser transferidos, graciosa ou onerosamente, a outro ente público.
“Artigo 11 – As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidos de uma à outra das referidas entidades”.
VENDA PROIBIDA – Nada mais claro, portanto. Aquela oração “inalienáveis por natureza”, diz tudo. Proíbe a alienação. Ou seja, a venda. Proibição sem exceção, sem contorno, sem malandragem. A lei é cogente e taxativa. Não pode, não pode.
Mas o Mercadinho São José, um dos polos culturais do Rio, está na lista dos bens da União que serão leiloados? Sim, está. E poderia estar? Para ser leiloado, não. Leilão é forma de alienação. Quase sempre e na maioria das vezes decorrente de litígio judicial. Primeiro ocorre a hasta pública e em seguida o leilão. Ou vice-versa, para alguns.
Qualquer bem particular pode ser vendido através de leilão. Basta o proprietário querer e contratar um leiloeiro particular. Já o Mercadinho, como bem público tombado, não pode ser vendido, consequentemente não pode ser leiloado.
PODERÁ SER CEDIDO – O Mercadinho São José somente poderia ser incluído no rol dos bens imóveis pertencentes à União desde que fosse para o fim de transferência de propriedade, da União para o Estado do Rio de Janeiro. Ou da União para o Município do Rio de Janeiro, que atualmente voltou a ter o erudito Eduardo Paes à frente do Poder Executivo.
Mercadinho é uma das raras construções da época colonial
O imóvel jamais poderá ser leiloado-vendido. Isto porque, desde a edição da Lei Municipal nº 2.263, de 16 de dezembro de 1994, assinada pelo então prefeito César Maia, o Mercadinho foi tombado. A conferir:
“Artigo 1º – Fica tombado, por seu valor histórico e cultural, o Mercado São José, localizado na Rua das Laranjeiras, nº 90, no bairro de Laranjeiras – IV Região Administrativa”.
ATIVIDADES PRESERVADAS – Mas tem mais. A Lei sancionada por César Maia não apenas tomba o mercadinho como também assegura a permanência daqueles que lá estão com atividades artísticas e culturais e até mesmo comerciais A conferir o parágrafo Único do artigo 1º:
“As atividades artísticas e culturais, bem como as relativas ao comércio com suas divisões em boxes, serão mantidas no Mercado São José”.
Pronto. Nada mais é preciso dizer. A Autoridade Municipal tombou o bem e ainda garantiu a permanência das atividades artísticas e culturais e até mesmo comerciais lá existentes. Somente uma outra lei municipal poderia revogar a lei de tombamento que César Maia sancionou ao assiná-la. Assim, representa e constitui autêntico direito de ficar.
DIREITO DE FICAR – Quando a Constituição Federal garante o Direito de Ir e Vir, implícito está o Direito de Ficar, de Permanecer. E no caso desse Mercadinho, a autoridade maior é o chefe do Executivo Municipal. Logo, o decreto de tombamento é ato jurídico perfeito e subscrito por quem detinha legitimidade.
Vai aqui um conselho: que o ministro Paulo Guedes combine com o prefeito do Rio, Eduardo Paes – que é bolsonarista de raiz –, a transferência do Mercadinho São José para o Município do Rio. Ou então que faça o mesmo com o governador Cláudio Castro, outro bolsonarista fanático, entregando o imóvel ao acervo imobiliário do Estado. O que não pode e não deve é a União colocar ilegalmente o Mercadinho a leilão.