Jorge Béja
Tramita a passos largos a chamada Nova Lei de Improbidade Administrativa. O texto, que ainda precisa passar pelo Senado e depois ir à sanção presidencial antes de entrar em vigor, define que gestores públicos (agentes, funcionários ou quem na função pública estiver investido, ainda que temporariamente, ou até mesmo “ad hoc”), só podem ser condenados, isto é, responsabilizados (porque ninguém é condenado ser ter sido antes responsabilizado) por improbidade em caso de dolo. A nova lei excluiu a culpa.
Há muitas outras alterações à lei vigente, tais como 1) limite de prazo para ressarcimento aos cofres públicos; 2) competência exclusiva do Ministério Público (MP) para propor ação; 3) prazo máximo de 180 dias para o MP investigar; 4) fim do tempo mínimo de punição com perda de direitos políticos, que pela lei atual é de 8 anos…E outras mais alterações, todas de abrandamento, e que certamente não vão desestimular a desonestidade, a probidade do agente público, em todos os sentidos. O efeito será inverso.
INCONSTITUCIONAL – Acontece que a lei é flagrantemente inconstitucional. Ela bate de frente com a Constituição Federal. E nem será preciso uma petição de muitas páginas, de robusta fundamentação, dirigida ao Supremo Tribunal Federal, com pedido de declaração de inconstitucionalidade da lei.
Basta, no máximo, escrever cinco ou seis páginas para que uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) derrube a principal alteração que esta nova lei introduz na ordem jurídica nacional, que é a questão da responsabilização do agente público apenas no caso de dolo.
A nova lei exige que o agente tenha tido a vontade, a intenção pré-concebida, o desejo, de causar o dano. Caso contrário, o agente não será responsabilizado.
DIZ A CONSTITUIÇÃO – Mas se assim é, se assim querem a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e o presidente da República, e se assim eles entendem que a Administração Pública se tornará mais protegida, mais respeitada para a felicidade geral da Nação, então, é preciso, primeiro, enviar um projeto de emenda à Constituição Federal (CF), a chamada PEC, para que a CF seja modificada.
Isto porque o parágrafo 6º, do artigo 37 da Constituição, ao estabelecer a Responsabilização Objetiva da Administração Pública, clara e expressamente dispõe que seus agentes sejam responsabilizados por danos causados no exercício da função, no caso de dolo ou culpa.
Vamos ao citado artigo: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa”.
DANO REPARADO – Nada mais claro. Terceiro (qualquer pessoa) que tenha sofrido dano causado por agente público no exercício da função deve ter o dano reparado, independentemente da apuração da culpa. É a chamada Responsabilidade Civil Objetiva, que dispensa discussão em torno da culpa.
E quanto ao agente que causou o dano, este responde no caso de dolo ou de culpa. Deve o agente indenizar o ente público pelo dano que causou. Ser punido, portanto. E a punibilidade é tanto cível e administrativa, quanto penal.
Esta nova lei que tramita com rapidez para começar a viger, além da inconstitucionalidade aqui apontada, representa um retrocesso de cem anos para o Direito Brasileiro, que um século atrás isentava o poder público e seus agentes de qualquer responsabilização em caso de dano causado a terceiros e ao próprio erário nacional.
RETROCESSO TOTAL – Prevalecia a mais absoluta e completa irresponsabilização. Foi quando começaram a surgir teses, teorias, fases, doutrinas, jurisprudências, todas contrárias à impunidade. A história é longa.
E quando o Direito Brasileiro chega perto da perfeição, herdada do Direito Francês e do Direito Português, aparece o retrocesso em pleno Século XXI!!, não é mesmo, doutor José Carlos Werneck, erudito e fidalgo advogado brasileiro?
Ainda bem que temos uma Suprema Corte que impedirá que tamanha aberração seja incorporada à ordem jurídica nacional.