Charge do Tacho (Jornal NH)
Carlos Alberto Sardenberg
O Globo
Conta nossa colega Malu Gaspar, em seu blog no Globo, que o presidente Lula recebeu para jantar três ministros do Supremo na última quinta-feira. Assunto: a aprovação pelo Senado de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita a tomada de decisões monocráticas pelos juízes da Corte.
Os ministros detestaram a decisão do Senado. Querem manter seu poder. Obviamente estavam no Alvorada para reclamar da desarticulação do governo Lula, que era contra aquela PEC. Esses encontros e articulações são considerados normais em Brasília. Seriam?
PROMISCUIDADES – Os ministros do STF, Corte constitucional, a toda hora têm nas suas mesas temas que interessam ao governo, ao Congresso e aos políticos, como pessoas físicas. Tudo bem que se encontrem em jantares, festas e viagens?
Também se sabe que negociam projetos de lei, programas de governo, decisões judiciais. De novo, em Brasília se diz que simplesmente estão fazendo política. Mesmo?
É normal, republicano, que um ministro do STF proponha um projeto de lei a um parlamentar, sendo que esse projeto e o próprio parlamentar podem eventualmente cair nas barras da Corte? É verdade que o pessoal lá se acerta. Mudam de lado e de opinião com incrível facilidade.
CONVÉM LEMBRAR – Gilmar Mendes, decano do Supremo, estava no jantar de quinta-feira. O mesmo Gilmar que, anos atrás, em decisão monocrática, impediu que Lula assumisse o cargo de ministro da presidente Dilma. Se assumisse, provavelmente não teria sido preso, nem Dilma impedida. Depois, com forte impulso de Gilmar, o STF desmontou toda a Lava-Jato e pôs em marcha a onda de livrar todo mundo que havia sido condenado.
O motivo da recente crise política está justamente na PEC do Senado, que coíbe as decisões monocráticas. Ora, a limitação faz todo o sentido.
O escritor, advogado, jurista e ex-ministro da Justiça José Paulo Cavalcanti Filho nota que nosso STF é o único no mundo em que decisões monocráticas são normais. Pior, formam a maior parte das decisões.
NUMA CANETADA… – Dá nisso: um presidente da República, eleito regularmente, escolhe um ministro, e um juiz da Suprema Corte, um único, diz que não pode? Mais: Câmara e Senado aprovam uma lei, sancionada pelo presidente da República. E um único ministro da Corte cancela tudo numa canetada?
Tem de ser decisão colegiada, como é no mundo civilizado. Ocorre que os senadores não aprovaram a PEC com base nessas argumentações, afinal conhecidas e debatidas há muito tempo.
Aprovaram para dar um recado ao Supremo, um troco por entenderem que o STF se intromete demais nos assuntos do Congresso. O que também é verdade.
EIS AONDE CHEGAMOS – Uma roupagem solene, data venia pra cá, ex officio pra lá, escondendo conversas ao pé do ouvido em encontros longe, muito longe do distinto eleitor. Verdade que às vezes se excedem.
Gilmar chamou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um homem de quase 2 metros, de “pigmeu moral”. O senador rebateu, duro. Ficou ruim. Mas eles seguem os ensinamentos de Tancredo Neves, que recomendava: “Não guarde o rancor na geladeira, mas não esqueça”.
Aguardem os próximos embates. Tem mais. Segundo participantes do jantar de quinta-feira contaram a Malu Gaspar, o presidente Lula disse aos convidados (Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes, além de Gilmar) que não sabia de nada. Não sabia que a PEC tramitava, que fora aprovada, nem que o líder do governo, Jaques Wagner, votara a favor.
NÃO SABIA DE NADA? – O presidente dedica grande parte de seu tempo à busca de um protagonismo global — até aqui, aliás, sem sucesso. Mas, caramba, saber por último de uma treta Senado x STF?
E assim a PEC caiu no colo do presidente da Câmara, Arthur Lira, responsável por colocá-la em votação ou deixar na gaveta. Com que critérios decidirá? Lira tem pendências na Corte. Não faz muito, Gilmar Mendes, em decisão monocrática, livrou-o de um processo em que é acusado de corrupção. Não houve absolvição. O processo foi cancelado, argumentou o ministro, porque estava na instância errada.
Enfim, há decisões monocráticas para diversas serventias. É questão de conversar.