Marcus André Melo
Folha
Na conferência eleitoral do PT a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, defendeu uma proposta na qual se afirma que “as forças conservadoras e fisiológicas do chamado Centrão, fortalecido pela absurda norma do orçamento impositivo num regime presidencialista, exercem influência desmedida sobre o Legislativo e o Executivo, atrasando, constrangendo e até tentando deformar a agenda política vitoriosa na eleição presidencial”.
Aqui o confronto Executivo-Legislativo poderia sugerir uma questão de legitimidade dual (ambos os Poderes são eleitos) em regimes presidenciais à la Juan Linz. Mas se trata, na realidade, de ideias fora de lugar.
COMPOSIÇÃO – O PT tem 68 deputados, meros 13% da Câmara. O PC do B e o PV, de sua coligação, agregam 2%. Juntos, os blocos liderados pelo União Brasil e Republicanos detêm 196 parlamentares, ou 38% da Câmara. A oposição — PL e Novo— conta com 99 deputados.
A referência à “agenda vitoriosa” na eleição presidencial é estapafúrdia. O pleito presidencial foi uma disputa de rejeições, não um confronto programático. E sequer foi formada uma frente ampla.
O argumento de que Lula recebeu mandato para implementar uma agenda é uma miragem majoritária em um contexto hiperfragmentado, em que o PT é francamente minoritário. O programa do partido ou da frente sequer apareceu durante a campanha.
ATAQUE AOS PARCEIROS – Causa espécie também o ataque aos parceiros da coalizão de governo vindo da presidente de um partido hiperminoritário. O PT tem governado com coalizões a contragosto. Depende delas, mas não as inclui plenamente nos governos.
Em Lula 1, o mensalão foi uma forma de compensar a sub-representação dos membros da coalizão nos ministérios, como escrevi aqui.
Sob Lula 3, a realidade hiperminoritária acabou se impondo. Mesmo assim a prática hegemônica do partido permanece. Suas principais consequências são os malogros legislativos do governo.
ORÇAMENTO IMPOSITIVO – A referência a uma supostamente absurda norma do orçamento impositivo no presidencialismo é também esdrúxula, ignora a experiência de países como os EUA ou o semipresidencialismo francês.
Nos EUA, o orçamento é globalmente impositivo. Suas práticas orçamentárias constituíram-se em modelo histórico sob democracias. O que é absurdo é a ausência de qualquer referência programática na formação de governos, como escrevi aqui.
A oportunidade das declarações de Gleisi merece comentário adicional: na semana em que vetos presidenciais cruciais foram derrubados, às vésperas da aprovação da reforma tributária por 365 votos a favor e 118 contra (quórum avassalador que veio majoritariamente do centrão), o contraste sugere que a reforma reflete não a agenda do PT, mas uma agenda suprapartidária.